fichamento do Filme Her (ela)

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     O amor como forma de insanidade socialmente aceitável

O enredo do filme Her nos propõe a refletir em que determinado momento o uso das tecnologias de informação, em especial, os computadores, smartphones entre outros nos proporcionam uma aproximação e, também, afastamento de relações necessárias ao nosso desenvolvimento. Nessa linha de raciocínio, o filme traz como foco de discussão a fragilidade das relações humanas e os impactos das tecnologias sobre a constituição dessas relações.
A análise sobre essa temática acontece no momento em que o personagem central chamado Theodore, que trabalha escrevendo cartas de amor para pessoas com dificuldades de expressar seus sentimentos, passa a relacionar-se com Samantha, um computador cujo o sistema operacional possui inteligência artificial programada para responder a comandos conforme o interesse do usuário, e a partir daí passa a desenvolver-se conforme as interações humanas a qual for submetida.


Assim, Theodore escolhe para seu aparelho um perfil feminino que passa a evoluir conforme ele dialoga de forma mais estreita com Samantha. Esta por sua vez, no decorrer do filme adquire características próprias da constituição humana demonstrando a capacidade de reagir emocionalmente aos estímulos as quais ela é submetida desenvolvendo funções mais complexas, como por exemplo, a cena em que Samantha demonstra ciúmes da amizade de Theodore com Amy. 

O interessante a se ressaltar na discussão é quando Teodoro passa a criar um laço afetivo com Samantha, o que desencadeou posteriormente em um “romance” entre ambos. Nesse momento, que se passa a discutir é a questão da fragilidade das relações humanas atuais. No filme o personagem central recém divorciado passa a construir suas relações por meio da tecnologia, inicialmente em salas de bate-papo, nesse ponto da história o personagem ainda de certa forma estabelece conexão com outros seres humanos, ou seja, a tecnologia até então era utilizada como forma de aproximar as pessoas e fazê- las interagir.
No então, no decorrer da história Theodore devido a somatória de situações que vão desde a separação da esposa às suas dificuldades de se relacionar, passou a utilizar a tecnologia não mais como ferramenta capaz de aproxima- lo de novas informações e pessoas, mas, caminha na compreensão de que Samanta (sistema operacional) será capaz de proporcionar a ele uma forma de relacionamento diferente do que ele possuía anteriormente com as pessoas de seu meio social, que por vezes foram conflituosas e confusas, e assim poderá com ela estabelecer uma conexão saudável sem sofrimentos e dor ou conflitos.

Entretanto, não é isso que ocorre. À medida que Theodore estabelece laços com Samantha e essa por sua vez evolui a um ponto de “sentir” os estímulos dado por ele, entram dois pontos a serem discutidos. O primeiro refere-se a forma “flexível” de relacionamento gerado pelas novas tecnologias, já o segundo diz respeito a capacidade evolutiva destas.

Sobre a forma flexível de relacionamento gerada pelas tecnologias, o sociólogo Zygmunt Bauman (2004) em sua obra, Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, nos apresenta a prioridade que damos a relacionamentos em “redes” que podem ser tecidas e desmanchadas com igual facilidade, que em sua maioria não envolve o contato direto do usuário com outras pessoa, restringindo-se apenas ao contato virtual e que, por consequência disso não estamos aprendendo a manter relações de longo prazo sejam elas em qualquer esfera de nossa vida.
 Dessa maneira, o impacto disso recai na constituição de nossas formas de sociabilidade[1]. Ainda na linha de pensamento de Bauman (2004) apud Bittencourt (2009) acerca das relações afetivas o homem está,
Imerso nesse processo rotativo de inclusão e exclusão instantâneas nas suas relações afetivas, a “humanidade líquida” cada vez mais teme afirmar a potência unificadora do amor, sentimento que, aliás, é dificilmente mensurável por critérios quantitativos e cálculos estatísticos. É possível expressarmos adequadamente tal afeto por alguém? Quando amamos, amamos a pessoa pelo que ela é ou pelo que ela representa para nós? (BAUMAN 2004, p. 18)

       Quando Theodore opta por relacionar- se com Samantha de forma amorosa ele acaba transferindo ao sistema operacional dela todas as características de sua personalidade enquanto ser humano, elementos esses que proporcionaram a ela evoluir ao ponto de constituir suas próprias peculiaridades.
A partir desse momento, discute- se a amplitude da evolução das tecnologias. Tal desenvolvimento atingiria essa dimensão em que as máquinas passariam a assumir características anteriormente apenas inerentes aos seres humanos? Em que medida, o homem desencadeia esse processo e em que ponto ele torna- se “mecânico”[2] também?

Segundo Bittencourt (2009) a vantagem da prática amorosa mediada pelas telas de computador é que esta forma proporciona a não intimidade, o não contato físico, evitamos assim a intimidade indesejável com a presença do parceiro. Para esse autor os relacionamentos virtuais são assépticos e descartáveis, e não exigem o compromisso efetivo de nenhuma das partes pretensamente envolvidas. Bauman define tanto as “práticas amorosas” virtuais como os relacionamentos afetivos marcados pelo gosto pela efemeridade pelo termo “relacionamento de bolso”, pois podemos dispor deles quando necessário e depois tornar a guardá-los (2004, p. 10).



[1] Esse termo refere-se às formas de interações que os seres matem em decorrência de diversos interesses segundo Simmel (2006).

[2] Aqui refiro-me a condição que ser humano vem se colocando da artificialidade de suas relações sociais.

 
REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.   

BITTENCOURT, Renato Nunes. A fragilidade das relações humanas na pós-modernidade. Revista Espaço Acadêmico, 2009.  

HER. Direção e produção: Spike Jonze. Worner Bros. Pictures presentes, 2014.

SIMMEL, Georg. A sociabilidade (Exemplo de sociologia pura ou formal. In: ______. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Tradução de Pedro Caldas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.  
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       



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