“Além de saber ler é necessário saber o
que se está lendo. [...] Cria-se um leitor quando, depois de aprender a ler o
que está escrito, aprende a ler o quer o que não está”, (Marina Colasanti)
Publicado originalmente em 1996, o livro
Ler, pensar e escrever após mais de uma década e meia o autor reflete em suas
andanças entre livros e cidades, ouvindo todo tipo de pessoas, conversando com
amigos e autores, com alunos e professores, aprendendo e desaprendendo, e
aprendendo a ler, pensar e escrever.
A nova edição – revista, atualizada e
ampliada faz parte da linha editorial universitária da Saraiva e qualifica o
livro em termos de projeto gráfico, com formato maior, fonte moderna,
espaçamento entre linhas e margens na página que permitem ao leitor ler com
mais prazer e proveito. A capa, sem imagens, destaca o assunto do livro e
prioriza o conteúdo, que por sua vez foi significativamente modificado e
melhorado. Manteve-se a estrutura original de três capítulos, um para cada
verbo do título, cada um deles antecedido de três epígrafes, mas os subtítulos
foram remodelados e alguns foram incluídos comparando com a 2ª edição 1998,
editora arte & ciência.
Gabriel Perissé é mestre em literatura
brasileira, e doutor em Filosofia e História da Educação. Publicou mais de 20
livros sobre leitura e criatividade, ética e formação de professores, desde
1983, ministra palestras e minicursos sobre educação, tendo percorrido mais de
900 cidades brasileiras. Sua experiência com um público diversificado de
educadores, leitores ou não, e sua intimidade com as dificuldades de leitura e
escrita refletem-se nas páginas do livro.
Há três verbos no título, Ler, pensar e
escrever, os quais, conforme explica o autor, sugerem uma evolução na
complexidade intelectual que cada um dos fazeres envolve. O último verbo,
“escrever”, necessariamente passa pelo pensar e ler – não há como ser
diferente. E o “ler”, que aparece no início, é o primeiro passo para qualificar
os outros dois. “Pensar” fica no meio porque se nutre do ler e do escrever: “O
ler conduzirá ao pensar, e o pensar conduzirá ao escrever. Ler e pensar.
Escrevendo, pensar. Pensar e ler. Pensando, escrever.”.
As três práticas não podem ser
desvinculadas, e a divisão em capítulos permite que, de maneira didática, haja
uma reflexão sobre cada uma delas.
O capítulo Ler, inicia pela discussão da materialidade do objeto livro: a
forma de segurá-lo, o modo como se estabelece uma amizade com ele ao ler o
título, folhear as páginas, espiar a introdução, ver as orelhas... Seja como
for, chega-se a um livro com alguma expectativa, e a primeira impressão pode definir
se haverá investimento de tempo para que essa amizade cresça.
O relacionamento com o livro surge de uma
apresentação positiva de outras obras e autores que a ele se remeteram (uma
leitura leva a outra) ou de uma apresentação imposta por professores que
exigiram a leitura. “o habito de ler é meio caminho andado para uma pessoa ser
intelectual e socialmente saudável e, em todas as áreas, um profissional melhor
mais bem preparado”. Gabriel Perissé (2011, p. 3)
A seguir, o autor tenta absolver a culpa
por “não ler”, que ocorre aos não leitores, e explica que é possível aprender a
ter prazer na leitura. Esse prazer costuma começar na infância e crescer graças
ao convívio com livros e leitores, mas pode ser descoberto pelo leitor adulto
que procure seus “clássicos pessoais”, citando Ítalo Calvino. Gabriel Perissé
(2011, p. 7) lembra que ler é um exercício e, portanto, envolve os cinco
sentidos:
Com a vista, naturalmente; com o tato,
segurando o livro; com a audição, ouvindo o barulho das páginas ao serem folheadas;
com o olfato, sentindo o cheiro da tinta impressa; e com o paladar, quando
umedece o dedo indicador na língua para virar as páginas com mais facilidade...
Ao usar os cincos sentidos, o leitor
conseguirá concentrar-se na leitura e “[...] captar em profundidade, discordar,
interpretar, discernir...” (PERISSÉ, 2011, p. 8).
Um recurso que pode ser utilizado para
manter contato físico e intelectual consciente com o livro é ler com um lápis
ou uma caneta na mão, fazendo anotações, às quais levarão à escrita; outro
recurso é ler em voz alta, reler com atenção, dando tempo para que se
desenvolva uma amizade não apenas entre leitor e livro, mas entre leitor e
autor, ainda que este esteja “escondido e revelado nas páginas que compôs”
(PERISSÉ, 2011, p. 10). Além da metáfora da amizade, são utilizadas várias
metáforas para o ato de ler: comer, farejar, dialogar, entre outras.
Há um compromisso do autor não somente com
as ideias que apresenta, mas também com a forma como as conduz em sua bela
escrita e leva o leitor a ler com prazer, a refletir e a ter vontade de
escrever de maneira tão leve e bonita como ele. Perissé mostra-se igualmente
leitor qualificado ao mencionar diversificadas leituras que o levaram a ser um
professor e estudioso das áreas de filosofia, educação e letras. Cita o que
gosta de ler e, advertindo o leitor para que desconfie das listas de livros
mais vendidos, quase sempre com títulos que seguem interesses descartáveis,
incentiva-o a assumir uma agenda de leituras e a elaborar sua própria lista pessoal
de livros a serem lidos, tornando-se responsável por suas escolhas de leitura.
Uma lista pessoal, diz Perissé (2011, p. 25) Assim sendo, vemos como abundam
livros literários na lista do autor e não é à toa que, ao mencionar uma recente
tradução brasileira do livro A literatura em perigo, de Tzvetan Todorov (2009),
cita esse autor para explicar seu amor pela literatura: “porque ela me ajuda a
viver” (PERISSÉ, 2011, p. 27).
No capítulo Pensar, o autor mantém a linguagem poética, mas aprofunda a
reflexão lançando mão da análise etimológica, que é “[...] instrumento
excelente para aprendermos a ver, mediante um mergulho na história da
linguagem, o que está diante dos nossos olhos... [...] instrumento de indagação
e surpresa, com o qual fazemos escavações na linguagem, arqueologia verbal.”
(PERISSÉ, 2011, p. 40-41). Propondo a investigação das palavras como um meio de
conhecer a realidade, começa com o verbo
O capítulo Escrever, começa narrando a história do homem que quebrava pedras
e, por causa de sua ambição, tornou-se uma delas. Com esta narrativa, Gabriel
Perissé retoma a conhecida metáfora de que escrever é lapidar frases e,
portanto, exige o aprimoramento de uma técnica, a qual deve ser treinada.
Afasta peremptoriamente a ideia de escrita como “talento” e reforça a ideia de
trabalho que pode ser aprendido por meio da autodisciplina e do rigor. Cita
exemplos de vários escritores, como Gustave Flaubert, Machado de Assis, João
Ubaldo Ribeiro, entre outros, que desenvolveram rituais de escrita e técnicas pessoais.
Todos partilham o fato de se dedicar diariamente à atividade de escrever.
Escrever envolve amor, paixão e necessidade. A dica é simples:
[...] começar a escrever escrevendo [...]
Começamos aos poucos, palavras jogadas aqui e ali, e continuamos, cavando mais
fundo em busca daquilo que somos, de nossas preferências e limitações, nosso
perfil, nossos vulcões, nossas ilhas, nossos mares. [...] É possível encontrar
na escrita um sentido para viver. (PERISSÉ, 2011, p. 76).
Ler, pensar e escrever dá trabalho, e
trabalho intenso. O livro de Gabriel Perissé ajuda o leitor, de qualquer área
profissional, a tornar tais verbos mais conjugados em seu dia a dia e,
consequentemente, a qualificar os seus saberes e fazeres.
PERISSÉ, Gabriel. Ler, pensar e escrever. 5 edição.
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2011.
0 comentários
Postar um comentário